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“ Gaia é o meu berço”

 

- Como surgiu a vontade de ser actriz?

Desde miúda. Em casa, esse gosto pelo jogo de fazer de conta foi sempre incentivado pela minha mãe, que tinha feito teatro amador. Os primeiros teatros que fiz foram com ela. Depois passei a brincar com os meus vizinhos e primos, a organizar as brincadeiras: tu fazes disto e eu daquilo, agora vais a tal sitio e dizes isto e eu respondo aquilo e por ai fora. Lembro-me de criar cenários e quando não era possível brincar aos teatros dentro de casa, usava o pátio e delimitava no chão, pintando-o a giz de várias cores, os espaços, com as portas e as janelas. Recordo-me da influência das peças de teatro que a RTP filmava e exibia. Recordo-me também de os meus pais dizerem que, reinava em casa um enorme silêncio. Eu assistia ao teatro no meu quarto, não havia diabruras, portanto.

 

- Como se deu a passagem do sonho para a realidade?

Deu-se em 1999 o meu primeiro trabalho enquanto actriz, na telenovela ‘ A Lenda da Graça’. Seguiram-se séries juvenis, como o ‘ Triângulo Jota’ ou ‘Uma Aventura’ que me deram muito prazer pois foram histórias que li na minha infância. Entretanto, participei em ‘ Um Lugar para Viver’, ‘Sol de Inverno’, ‘Mulheres’, ‘Jardins Proibidos’, ‘Água Mar’ e agora, na ‘Massa Fresca’. Quanto ao teatro, são 15 anos, 10 dos quais trabalhei no Teatro Experimental do Porto. Em cada ano, fazia seguramente três estreias, fora as reposições como, por exemplo, ‘Os Maias’, onde interpretei a Maria Eduarda durante cinco anos. Posteriormente trabalhe com os Primeiros Sintomas, a Griot e noutros projetos independentes.

 

- Teatro, televisão ou cinema. O que prefere?

Tanto o teatro, como o cinema e a televisão são desafiantes, em modos e tempos muito diferentes mas todos eles pedem ao actor, a verdade na interpretação, a ligação a uma ideia, a uma estética. São três linguagens, são três processos de trabalho distintos, exigem técnicas diferentes, respirações diferentes. O tempo de resposta não é igual. O grau de expressividade facial, a vibração da tua voz no palco não são os mesmos daqueles em frente a uma câmara.

E o trabalho de preparação é muito diferente. O teatro dá-te mais tempo de preparação. Os ensaios de teatro são uma das fases mais maravilhosas, é quando podes brincar a experimentar. Acresce a isto que o teatro tem o público ali, tem o calor das pessoas. Tem o presente, o teatro é feito no presente, no fio da navalha. ( Risos). Há uma dinâmica especial com o tempo, quando estamos em palco, é uma espécie de suspensão do tempo. Uma suspensão onde estás em permanente contacto com a possibilidade do erro, da falha, o que te leva a um sentido unidade incrível. Talvez os momentos mais gratificantes, enquanto actriz, tenham sido no palco. A câmara fixa a matemática da profundidade e do detalhe, dois fenómenos que nasceram um para o outro. Teatro, televisão e cinema , são todos importantes no desenvolvimento de um actor.

 

 

- Quais as interpretações que mais a marcaram?

 

Foram várias e por razões distintas.  No teatro, ‘Faz Escuro nos Olhos’, encenado por Rogério de Carvalho, ‘Os Assassinos’ com os Primeiros Sintomas, numa adaptação de Miguel Castro Caldas e encenação de Bruno Bravo. ‘A Geração da Utopia’, obra de Pepetela adaptada e encenada por Guilherme Mendonça e a ‘Antígona’ na versão do António Pedro e encenação de Norberto Barroca. No cinema, ‘O Espelho Mágico’ de Manoel Oliveira e o ‘ Cônsul de Bordéus’ do Francisco Manso e João Correa, e na televisão, a minha recente Antónia Félix da série juvenil da TVI, ‘Massa Fresca’.

 

- Trabalhou com Manoel de Oliveira. Que memórias guarda?

As mais bonitas possíveis. Confirmei com ele duas coisas importantes para um ator: a disponibilidade para a criação de uma relação de confiança com que o dirige e a importância de procurar saber mais. O Manoel era uma pessoa de uma inteligência muito apurada e refinada, conversar com ele era um estímulo para a curiosidade, para a compreensão do mundo. Dele guardo a sua simpatia, o seu sentido de humor e os seus olhos muito atentos.

 

- Que projetos estão previstos para os próximos tempos?

 

Estive a trabalhar em ficção nacional, com a Plural, na série ‘Massa Fresca’, que passa, durante a semana, na TVI. Aqui encontro-me com um tipo de personagem bastante interessante, a chamada vilã. A Antónia Félix, uma mulher poderosa, que vive em constante disfarce e obcecada em vingar o passado. Mas não é uma vilã linear, tem um lado bastante emocional, o que faz com que o seu ponto forte coincida com a sua maior fragilidade: a maternidade. E mais não digo. (Risos)

Entretanto, para cinema, acabei de gravar dois filmes, com os realizadores Hugo Diogo e Luís Diogo. No teatro, estou com dois textos em mãos. Um deles de Strindberg, um dos meus autores de culto, e o outro, uma adaptação da biografia de uma figura feminina que muito admiro. Em simultâneo , faço parte da equipa de investigação em artes performativas do Gabinete da Faculdade de Letras de Lisboa.  A par do meu trabalho enquanto atriz e investigadora, em breve irei integrar um novo projeto de uma marca de vestuário feminino. O nome é Hesso. Uma linha 100% portuguesa, que promete versatilidade, conforto e bom gosto.  E , neste preciso momento, estou envolvida numa causa que abraço com todo o coração, a CCELA Portugal, uma organização sem fins lucrativos que se destina a dar apoio físico e psicológico aos portadores da doença degenerativa que afeta tantos portugueses, a Esclerose Lateral Amiotrófica. Gostaria de convidar os meus leitores a visitar a página no facebook: COMPASSIONATE CARE ELA PORTUGAL.

 

 

 

-O que lhe falta fazer enquanto atriz?

 

Muita coisa, muitos textos, muitas ideias, novas formas e interlocutores. Interlocutores descomplexados. Também me faz falta o Euromilhões (Risos), assim poderia avançar com uma série de ideias que me ocupam a vontade, de uma forma independente. O que me faz falta enquanto atriz? O tempo faz-me falta. Os atores são profissionais em construção, trabalhar a partir das vivência, das emoções e reflexões, da memória, isso é tempo. Como disse a Yourcenar , o tempo esse grande escultor… Quando estudava teatro, tive um professor

 ( Rogério de Carvalho)que, em plena aula, disse que só se começava a ser ator aos 40 anos. Há uns meses encontrámo-nos e falei-lhe desse episódio, a resposta dele foi só a partir dos 50 anos…

Portanto…

- Nunca pensou em trabalhar no estrangeiro?

Sim, mas gosto de Portugal, é meu país. A minha língua. Claro que gostaria de trabalhar com certos encenadores e realizadores estrangeiros, cujo trabalho admiro, mas não sei se gostaria de ser atriz-emigrante.

 

- Também é professora, além de atriz. Como se sente ao desenvolver esta atividade?

 

Sinto-me um pouco mais perto do todo. A preparação das aulas, dos atores, dos não atores, dos ensaios e encenações ajudam-me a redefinir a teoria e a prática. Dar aulas exercita a minha imaginação e levou-me à escrita para os mais novos.

 

- Como te defines enquanto pessoa?

Eu!? Ui, somos tantas. (risos) Bem, somos algumas. Sou contemplativa, gosto de observar e gosto muito de ler. Preciso de livros. E de pessoas, dos outros. Talvez que a grande poética de estarmos vivos seja encontrar e prolongar a nossa identidade na relação com os outros.

Gosto de viajar, de conhecer, de ver, de sentir. Adoro uma boa conversa. Sempre que posso passo um dia comigo própria, apenas comigo. Uma espécie de fio de prumo, é preciso talento para se estar permanentemente na realidade. O constante sentido de realidade não é fácil. Penso que até é por isso que escolhi a profissão de contar histórias.

 

- Que características privilegia num amigo?

A sensibilidade, o sentido de humor e de amor. A honestidade, a lealdade e o altruísmo.

 

 

 

 

- Nasceu em Gaia. O que é que esta região lhe diz?

Disse-me tudo o que precisava de saber até agora (risos)… que existe o mar e o rio, ambos feitos de àgua, uma salgada e outra doce, ruelas e ruas largas, umas mais íngremes que outras. Que existem quatro estações do ano, que no mesmo dia tanto chove como faz sol. Gaia é o meu berço, há sempre essa nostalgia. A nostalgia da inocência e laços afetivos. Vivi até aos 30 muito perto da praia e de árvores. Tenho um fascínio por árvores, mas não as cumpro. É preciso partir, quando o sentimos, nem que seja para aprender a permanecer.

Criado e gerido por : Beatriz Pires / @Susana_Sa14

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